quarta-feira, 8 de julho de 2009

Agostinho da Silva

Que palavras usar para definir Agostinho da Silva? Um sábio, um filósofo, um génio, um contador de histórias, um conversador...
Uma pequena mas mais que merecida homenagem a uma pessoa tão mal conhecida entre nós que partilhamos a mesma alma lusitana.


Os grandes forjam-se na adversidade

Todo o ambiente é favorável ao forte; de um modo ou de outro ele o ajuda a cumprir a missão que se impôs e a conseguir ir porventura mais além das barreiras marcadas. A derrota deve mais atribuir-se à invalidez do impulso interior do que aos obstáculos que lhe ponham diante, mais à alma incapaz de se bater com vigor e tenazmente do que às resistências, às invejas e às dificuldades que o mundo possa levantar perante Hércules que luta.

O mal que se vê é aguilhão para o bem que se deseja; e quanto mais duro, quanto mais agressivo, se bate em peito de aço, tanto mais valioso auxiliar num caminho de progresso; o querer se apura, a visão do futuro nos surge mais intensa a cada golpe novo; o contentamente e a mansa quietude são estufa para homens; por aí se habituaram a ser escravos de outros homens, ou da cega Natureza; e eu quero a terra povoada de rijos corações que seguem os calmos pensamentos e a mais nada se curvam.
Mais custa quebrar rochar do que escavar a terra; mais sólido, porém, o edifício que nela se firmou. A grandeza da obra é quase sempre devida à dificuldade que se encontra nos meios a empregar, à indiferença que cerra os ouvidos do povo, e aos mil braços que logo se levantam para deter o arquitecto. Se cai em batalha, pobre dele, podemos lamentá-lo; não o chamara o Senhor para as grandes empresas; mas se pelo menos a voz se lhe erguer clara, firme, heróica no meio do turbilhão, não foram inúteis as dores e os esforços: algum dia um novo mundo se erguerá das brumas e o terá como profeta.
Quem ia a perturbar ficará perturbado, quem ia a matar ficará morto. Não é com os mesquinhos artifícios, nem com o desprezo, nem com a mentira, nem pelo cansaço, nem pela opressão, nem pela miséria que se vencem os que pensaram num futuro e, amorosamente, com cuidados de artista, continuamente, com firmeza de atleta, o vão erguendo pedra a pedra. É necessário que se resista enquanto houver um fôlego de vida, mas que essa resistência seja sobretudo o contacto com a realidade da força criadora; é esta que afinal tudo leva de vencida e reduz oposições a pó inútil e ligeiro.
Agostinho da Silva, in 'Textos e Ensaios Filosóficos

2 comentários:

  1. Apesar de não ser apreciador de Agostinho, tenho gosto em lê-lo e em ouvi-lo. Lembro-me das Conversas Vadias. Mas o que mais me admirou nesta nossa personagem foi o desassombro com que encarava o poder político, artístico ou económico: com enorme desdém. Porquê? Por que conquistou legitimidade para o fazer. Há certas pessoas que, em virtude da inteligência e do trabalho, conquistam um lugar no mundo. sabe que Agostinho não tinha BI?
    Continue com os seu bom gosto.

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  2. Não imaginava que Agostinho não tinha BI.
    Relativamente à personagem, confesso que não conheço tão bem quanto o António. Sei apenas que é uma pessoa que gosto volta e meia de ver e ler.
    Obrigada mais uma vez.

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