terça-feira, 11 de outubro de 2011

Nis @ Sérvia


Pois bem, um dos riscos que se corre quando se viaja e não se tem tudo marcado ao pormenor, é que podemos ter de fazer viagens menos boas. Estava ainda à noite em Sarajevo, quando dei conta que tinha 36h para apanhar um avião em Sófia. Isto não é grande problema quando estamos a falar da Europa Ocidental, mas a realidade é que estávamos na Bósnia, tínhamos de atravessar a Sérvia e chegar antes das 8h a Sófia na Bulgária. Havia apenas uma alternativa, que não era perfeita, mas era a única, e nesse caso cruza-se os dedos para que tudo dê certo. No dia seguinte de manhã, acordei por volta das 6h da manhã, e apesar de imaginar que iria ser um grande esforço, nunca pensei que estaria para embarcar na minha maior aventura de viagens. A primeira etapa era apanhar um autocarro que nos levasse da Bósnia até Nis na Sérvia, qualquer coisa como 250km. Como só havia 2 por dia, um às 8h e outro ao final da tarde, era essencial conseguirmos bilhete para o da manhã. A questão do bilhete foi fácil, um pouco mais chato foi arranjar dinheiro, pois não existia nenhuma caixa multibanco na estação de autocarros, e pagamentos por cartão também é coisa desconhecida por aqueles lados. Uma coisa tão simples como um pagamento obrigou-nos logo pela manhã a fazer uma pequena corrida com as mochilas às costas. Pontualmente o autocarro arranca... mas que autocarro!!!! Muito velho, cujo maior luxo era ter AC, apesar de funcionar apenas uns minutos por hora. O calor lá dentro era insuportável, o autocarro fazia barulhos muito estranhos, ao ponto de eu pensar seriamente que ía avariar pelo caminho e ficaríamos no meio daqueles bosques perdidos, o cheiro das pessoas, mais uma vez, insuportável. Parámos por volta do meio dia, no meio do nada, onde existia apenas um modesto restaurante. Olhava à volta e tudo o que via era montanhas, sem nenhuma casa ou alma visivel. Se alguém quer viajar com luxo, esqueça estas aventuras... a casa de banho era unissexo, sem sanita, com um buraco no chão completamente repugnante, a porta era de madeira com espaços entre as tábuas, sem papel higiénico, sem lavatório e virada para o exterior, onde se formava uma fila para as suas necessidades. Nunca na minha vida vou esquecer aquela experiência. Foi também lá que pela primeira vez dei de caras com café que era apenas café moído e água fervida. Nos dias seguintes, habituei-me a esse tipo de café, e esqueci completamente o típico expresso. Na verdade, o sabor era extremamente agradável. Uma vez mais no autocarro e seguimos viagem por aquelas estradas estreitas, com piso esburacado e repletas de curvas fechadas. Do lado direito via o rio, do lado esquerdo as escarpas das montanhas. Confesso que as paisagens que vi durante aquela viagem foram as mais belas que os meus olhos jamais observaram. Afinal, estava nada mais nada menos a atravessar os balcãs. Se eu pensava que ía um pouco à aventura, uma coisa que jamais esquecerei foi o grupo de viajantes na fronteira com a Sérvia. Não consegui entender muito bem a situação, mas eles estavam literalmente no meio das montanhas, entraram no autocarro, não tinham dinheiro para os bilhetes e tinham problemas com o passaporte. Passado um pouco, lá entrámos na Sérvia, e uns quilómetros à frente o autocarro pára no meio das montanhas e saem aquelas estranhas pessoas. Eu volto a repetir... não existia nada, nada num raio de vários quilómetros. Aquilo sim, é uma aventura, eu comparada com aqueles sou uma menina... Ao final da tarde, já farta daquele autocarro cheio de estranhos barulhos, cheguei a Nis, Sérvia. Bem... a sensação é que de país para país as condições de vida vão diminuindo drasticamente. A estação de autocarro era um antro de sujidade. Não tem qualquer tipo de informação e se uma pessoa pensa que tem lá táxis à porta, tem de dar duas voltas até realmente perceber onde eles estão, apesar de já lá ter passado duas vezes. Quando cheguei lá tinha fome e dei uma voltinha pela rua, mas depressa dei volta e regressei. Acho que foi o pior local que vi até hoje. Penso que naquela rua funcionada um mercado com várias lojas. Bem, o aspecto daquilo era, para além de sujo e asqueroso, assustador. Naquele momento eu só queria um táxi. Passei várias vezes por um local onde indicava táxis, até que para meu espanto reparei que os 2 carros lá estacionados eram realmente para transporte. Vou tentar explicar o carro: Um carro tipo Trabant com os seus 30 anos para ser simpática, amarelo (esta era pelo menos a cor visível por baixo de toda aquela ferrugem), os estofos rasgados com toda a esponja à mostra, nódoas por todo o lado, e obviamente todo sujo. O taxista, simplesmente arranca o carro e a primeira coisa que faz é acender um cigarro. A janela de trás nem sequer abria. Ao andar naquele estranho carro, comecei a olhar à volta e apercebi-me que todos os carros eram assim, questões de limpeza e segurança estão longe de ser vistos. A primeira paragem tinha de ser na estação de comboio a ver se arranjávamos bilhete para o comboio das 2h30m até Sófia. Depois de bilhete na mão, há que fazer tempo até de madrugada por ruas nunca antes vistas. Com o anoitecer percorremos às escuras as ruas até encontrar o centro. O centro de Nis é uma longa rua pedonal rodeada por lojas internacionais, bares e restaurantes. Parámos numa esplanada a fazer horas até ao jantar. Apesar de gostar de experimentar sempre novas comidas, quando avistei um MacDonalds deu-me uma enorme vontade de comer lá. A vontade veio mesmo devido ao sentimento de ter visto algo tão normal por cá, e lá quase nem se avistam, digamos que era algo familiar, apesar de ser o Mac. Depois fui tomar um café a pensar já na longa noite que tinha pela frente e demos um pequeno passeio pelas muralhas da cidade. As muralhas abrigam uma data de restaurantes e bares, que foi o local escolhido até ser hora de regressar ao comboio. A espera na estação foi longa, com sem abrigos pelo meio que aproveitavam os bancos para pernoitar. Neste momento já eu não me preocupava com nada. Tinha o bilhete de comboio na mão, a chegada estava prevista para as 7h30m, o comboio era internacional e vinha já de Bucareste, logo deveria ser bom e não como o que apanhei em Mostar, e já me imaginava a dormir uma bela soneca até Sófia. Estava longe, muito longe da realidade que me esperava. Na realidade, o comboio chegou às 3h da manhã. Mesmo assim, não me preocupei com o facto. Tinha um avião para apanhar em Sófia às 9h40m, e meia hora de atraso ainda não era preocupante. Fiquei sim preocupada foi quando vi o comboio. Se imaginava algo razoável, o que apareceu foi um comboio fantasma. Fui a primeira pessoa a entrar no comboio e daí até ao fim da viagem tomei consciência que nunca mais me esqueceria das horas passadas lá dentro. Logo que subi as escadas o que me invadiu foi um cheiro repugnante, uma mistura de casas de banho que não têm autoclismo com o cheiro das pessoas que desconhecem água. A seguir, espreitei para dentro de todos os camarotes à procura de um lugar para sentar e a única coisa que vi foi o comboio apinhado de gente a dormir, a fumar, a beber, num silêncio total no meio daquela total escuridão em que se encontravam os camarotes. Das pessoas que encontrei nem vou falar, nunca vi tal na vida. Após correr todo o comboio verifiquei que não existia lugar para nenhuma pessoa que entrou em Nis. Resultado, dezenas de pessoas apinhadas num corredor com menos de 1m de largura. A viagem fez-se às escuras, olhando para fora a única coisa que se via eram os faróis do comboio e ouvia-se os ramos das árvores a passar pelas janelas. O corredor era repugnante, com uma enorme nuvem de fumo de tabaco e um cheiro que quase dava vontade de vomitar, que apesar de tudo o nariz lá se habituou. Quando o cansaço foi extremo não tive outra alternativa do que deitar-me no chão do corredor fazendo da minha mochila a minha almofada. Volta e meia dava conta de alguém passar por cima de mim. O corredor era tão estreito que se alguém o quisesse atravessar tinha de passar obrigatoriamente por cima de mim. Antes de entrar na Bulgária lá consegui arranjar um lugar sentada. A minha alegria... nem queria acreditar. Não quis saber das pessoas daquela carruagem, nem tão pouco de cheiro que de lá emanava... eu tinha um assento... Com os primeiros raios de sol entra a primeira polícia fronteiriça, neste caso à saída da Sérvia. Passaportes na mão uma vez, duas vezes... e por aí adiante. Fronteira da Bulgária seguidamente. Naquele momento pensava que se não tive problemas em nenhuma fronteira, não seria à entrada da União Europeia que os ía ter... pois sim! Lá veio o polícia mais antipático que vi até hoje perguntar pelos passaportes, logo a seguir pelas bagagens. Fez o favor de gritar algo em bulgaro na carruagem, e de levar o homem que ía ao meu lado para ficar retido da fronteira porque levava uma roldana... sim... uma roldana. O pobre do homem ficou numa fronteira no meio do mato porque tinha uma roldana no saco. Após ver e rever toda a gente e tudo do comboio, este lá seguiu. Esta brincadeira levou uma hora. Neste momento via as horas passar e começava a duvidar que iria chegar ao avião. Estava feliz apenas por uma coisa... já não tinha mais fronteiras pela frente pelos próximos dias. Naquele momento tomei conhecimento do quão é dificil entrar na União Europeia, mas vistas bem as coisas também só apanhei o comboio que por excelência é do contrabando. Quando o comboio começou a travar para parar em Sófia já o relógio marcava 9h. Antes disso, ainda percebi que tipo de comtrabando e quem o fazia naquele comboio. Nada mais nada menos que o revisor do comboio, um senhor com os seus 100kg e de barba comprida e escura, com a ajudar de alguns companheiros. Vi onde esconderam o tabaco, que sem a menor das preocupações o tiravam dos candeeiros dos tectos de todas as carruagens, e também vi o mesmo senhor com a mão cheia de euros a distribuir pelos companheiros. Honestamente, queria lá saber daquilo... eu só queria entrar num avião.



2 comentários:

  1. Só te enganaste numa coisa: O comboio vinha de Belgrado :)
    De resto, foi uma bela viagem. Para nunca esquecer e contar aos netos. Eu repetiria, e tu?

    ResponderEliminar
  2. Sim, tens razão quanto ao comboio.
    Quanto a repetir... uma vez já chegou, mas sinto-me preparada para andar em quase todos os comboios do mundo :)

    ResponderEliminar